Professora indígena formada na USP funda a própria aldeia para recuperar tradições

Educadora indígena formada pela Universidade de São Paulo (USP), Miriam Lima dos Santos Oliveira, de 39 anos, se viu em uma situação incomum na aldeia Piaçaguera, onde vivia, em Peruíbe, no litoral paulista. Ela foi proibida pelo cacique, dentro da escola onde trabalhava, de dar aulas de cultura. Diante disso, resolveu fundar a própria aldeia, para recuperar os hábitos perdidos de sua etnia.

Conhecida pelo seu nome indígena, Itamirim lembra que, com a proibição, acabou se demitindo. “Falei que ali não era meu lugar, não era meu espaço, porque eu não tinha me formado para aquilo”. Inconformada, se juntou a outras pessoas com o mesmo pensamento e fundou a aldeia Tabaçu Reko Ypy, também em Peruíbe.

O caminho que Itamirim encontrou para fortalecer a cultura tupi-guarani foi por meio de regras. Ela deu prazo de dois anos para que os ocupantes da Tabaçu aprendessem a língua, ou não poderiam permanecer na aldeia.

Além de aprender o tupi-guarani original, ainda há os conceitos de coletividade e o hayhu (amor índigena), que devem ser seguidos por todos os moradores. Quem deixa de cumprir um deles deve refletir no “toco do castigo”, que fica localizado no centro da aldeia – outro costume tradicional.

“Estamos formando grandes líderes e cidadãos, capazes de se sustentar lá fora também”, ressalta a líder da Tabaçu. A mãe de Itamirim é a líder espiritual da aldeia, e junto com outros anciões, busca transmitir ritos e canções para fortalecer o lado religioso, perdido por aqueles que saem das aldeias.

Os estudos fizeram com que Itamirim entendesse a importância da tradição. “Desde quando comecei a ver as coisas de modo mais amplo, como educadora, vi que a minha cultura está cada vez mais enfraquecida. Voltei preocupada com isso”.

Entretanto, não foi só o incentivo à propagação da cultura indígena que Itamirim encontrou em seus estudos. “Minha formação em São Paulo foi muito difícil. Sofri muita discriminação, e meu grupo também”, comenta. O preconceito, segundo ela, faz parte da vida dos índios, e muitos desistem de ter uma formação quando precisam frequentar a escola na cidade, no Ensino Médio. “As crianças não têm mais a língua indígena como língua mãe. Elas perderam isso, totalmente. E é uma luta dos educadores reverter essa história”.

Itamirim ressalta que o preconceito ocorre mesmo em ambiente acadêmico. “Lá na USP, meu grupo sofreu muito preconceito. Estávamos almoçando no bandejão, e vimos que as pessoas deixavam de almoçar, ou entrar no refeitório, porque não queriam comer perto dos índios”.

O ensino das crianças indígenas, segundo ela, também apresenta uma dualidade cultural. As crianças pequenas sentam-se em tapetes, e dentro da sala, há a presença de uma “árvore do saber”, que contém frases de grandes pensadores, entre eles o Dalai Lama.

Na estante de livros, há grandes títulos da cultura brasileira, mas poucos em tupi-guarani. A professora explica que não há publicações sobre a cultura indígena. Os ensinamentos são transmitidos quando as histórias são contadas. “Esse resgate é feito por meio da oralidade. Os mais velhos contam às crianças sobre as lendas e mitos nativos”.

Casas emergenciais, construídas na aldeia Tabaçu  (Foto: Leticia Gomes)

Fonte: G1
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