Amargosa: Justiça determina nova reconstituição para o caso de jovem empurrada de carro em movimento pelo ex

Mãe e filha não cometeram nenhuma infração penal, mas estão há 11 anos numa espécie de prisão domiciliar. “Abandonei meu emprego e vivo exclusivamente para cuidar de Paloma. Luto pra ela continuar viva neste quarto”, desabafou Sara Ribeiro de Souza, 51 anos. Ela é mãe de Paloma de Souza Ventura, 36, que em maio de 2012 sofreu um acidente de carro na cidade de Amargosa e teve traumatismo craniano, além de ter ficado tetraplégica e com sequelas como disfagia (dificuldade de deglutição), alterações esfincterianas (dificuldade de controle urinário e intestinal) e convulsões. Desde então, a jovem vive com Sara, em um modesto apartamento no Cabula, em Salvador.

Segundo o Ministério Público da Bahia (MP-BA), Paloma foi empurrada de carro em movimento durante uma suposta discussão pelo então namorado, o empresário Cícero Leandro Silva Barreto, dono de supermercados em Amargosa. Hoje, o ex-namorado de Paloma responde em liberdade o processo por tentativa de homicídio qualificado (motivo fútil e impossibilidade de defesa da vítima). Já o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) determinou no último dia 10 uma nova reconstituição dos fatos, após entender que a primeira simulação realizada em 2016 apresenta diversas irregularidades na perícia.

Com a decisão, a mãe de Paloma reacendeu a esperança na justiça. Ela contou todo o seu drama e o de Paloma e relata sua luta para que o acusado seja preso, numa entrevista que você confere abaixo.

 A senhora acredita que uma nova reconstituição mudará o rumo da investigação?  

Sem sombra de dúvida.  A minha expectativa é que onde houve as falhas venham se mostrar verdades. Enquanto sofremos, ele (Cícero) leva uma vida normal e rindo da gente. Ele vai pagar pelo que fez. Não quero vingança. Quero justiça! E agora estou no meio do caminho e vou até o final.

– Quais falhas são essas a que a senhora se refere? 

Eu na época estava sem nenhuma orientação, porque quando houve a primeira reconstituição, eu ainda não tinha advogado. Então me pegaram com uma pessoa totalmente inexperiente. Me colocaram para representar minha filha na encenação dos fatos. Eu passei mal, tendo que reviver o que a minha filha passou. Fui junto com o delegado e o perito à procura de um manequim, que acharam numa loja, sem a cabeça e sem as medidas de Paloma. Fizeram tudo a grosso modo. A simulação foi realizada numa área residencial, mas o local onde minha filha foi jogada era uma estrada deserta. Fizeram durante o dia e o fato aconteceu à noite. E muitos outros. Tudo foi feito no carro do delegado, que era semelhante ao carro de Cícero, mas não era do mesmo modelo. Quando notamos todas essas falhas, pedimos uma nova simulação dos fatos.

– Qual o motivo de tantos erros numa reconstituição na opinião da senhora?

Só vou dizer uma coisa: ele (Cícero) me ofereceu R$ 60 mil na época pelo meu silêncio. Um amigo dele veio até a mim, contando que ele (Cícero) temia um júri popular e me ofereceu esse dinheiro pra eu sair do processo. Na ocasião, perguntei a esse amigo dele, que é pai de três filhos: se fosse você, aceitaria? Ele respondeu ‘não’. Foi a mesma resposta que dei ao suborno. Foi então que o amigo disse: ‘isso não vai dar em nada, você só vai gastar dinheiro’. Mas respondi: vemos ver. Pois bem, a tentativa de suborno foi gravada e está no processo. Eu não tenho dúvida nenhuma de que Cícero pode comprar até o júri.

– O processo está todo em Amargosa, mas a senhora está lutando para que venha para Salvador. Por quê?  

Nós precisamos trazer (o processo) pra cá. Eu quero que Paloma participe do processo dela e como é que eu vou levá-la nesse estado? Não tem condições de ela fazer uma viagem para Amargosa. É uma luta minha, de minha filha, dos parentes e amigos. Já fizemos o pedido ao Tribunal de Justiça da Bahia, mas até agora sem resposta.

 – Naquele 12 de maio de 2012, Cícero chamou Paloma para uma festa. Ela aceitou. Segundo Sara, o empresário era “muito cuimento” , “muito possesivo” com a filha dela. Horas depois, veio o suposto acidente. Paloma passou 60 dias em coma. O que Cícero alegou depois?

No dia do acidente, Cícero sumiu. Soubemos que ele ligou para um amigo e disse que houve uma discussão e que Paloma se jogou do carro em movimento. Depois de três dias, ele se apresentou com advogado na delegacia

– Quando recebeu a notícia de que a filha estava tetraplégica, qual foi a sua reação? 

Entrei em pânico como qualquer outra pessoa estaria. Acreditava que a vida de minha filha tinha sido ceifada. Só pensava: ‘Paloma ia ter uma vida vegetativa’. Na ocasião, ela passou por uma cirurgia e, quando saiu da UTI e foi para a enfermaria, foi aí que a ficha caiu.

– Como está Paloma hoje?

Há 20  dias que Paloma convulsionou por mais de uma hora. Veio a primeira unidade do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas não conseguiu conter e a equipe pediu a unidade avançada. O grau dessa convulsão foi tão grande que o médico do Samu já estava pensando em entubá-la.  Ela ficou 11 dias internada. Hoje Paloma tem 36 anos e a vida dela é lutar para viver.

– Paloma tem uma rotina intensa de cuidados médicos, com consultas com especialistas, fraldas, medicamentos, insumos (produtos de higiene pessoal para pessoas acamadas), além de alimentação adequada. Tudo isso tem um custo mensal de R$ 4 mil.  Sara disse que a Justiça obrigou Cícero a dar uma ajuda de custo mensal… 

A Justiça obriga ele a depositar R$ 2 mil para Paloma. Esse valor é a metade das despesas de minha filha e ele já recorreu, tentou retirar, mas graças a Deus não conseguiu. Miserável! Eu trabalhava com assistência administrativa, mas tive que abandonar o emprego para cuidar de minha filha. O restante a gente vai se virando como pode. A nossa renda mensal é de R$ 3 mil, somando o que o meu marido ganha como  motorista por aplicativo, e o BCP que Paloma recebe (Benefício de Prestação Continuada) é pago pelo governo federal às pessoas com deficiência (PcDs) – para o tratamento de Paloma e as demais despesas de casa. Vivemos no limite.

Tetraplégica, Paloma vive sob os cuidados exclusivos da mãe, Sara (Foto:Marina Silva/CORREIO)

Falhas na primeira reconstituição beneficiam o réu, diz advogado de Paloma

Segundo o advogado de Paloma, Alonso Guimarães, as falhas da primeira reconstituição, realizada pela Coordenadoria Regional de Polícia Técnica (CRPT) de Santo Antônio de Jesus, e assinada pelo perito criminal Lino José Pessoa de Oliveira, poderiam beneficiar a defesa do empresário Cícero Leandro Silva Barreto, que alega que Paloma tentou suicídio.

“Esse tipo de prova vai gerar dúvida. Se chega um processo que não tem testemunha ocular, que a única pessoa que estava dentro do carro foi o acusado,  e a reconstituição é mal feita, então, é tudo que a defesa de réu quer, que o processo siga desse jeito, para que o conselho de sentença acabe absolvendo ele por falta de provas”, declarou Guimarães.

O Conselho de Sentença é um órgão do Tribunal do Júri composto por sete jurados, sorteados dentre uma lista de 25 indicados e que decide se o acusado deve ser absolvido ou não.

Segundo Alonso Guimarães, a decisão de uma reprodução simulada saiu no dia 10 de maio deste ano e a Justiça deu 45 dias para o Departamento de Polícia Técnica (DPT) marcar a data do procedimento, mas desta vez com peritos de Salvador.

O advogado de Paloma disse que pretende solicitar que o processo venha para a Comarca de Salvador. “A gente só pode pedir, depois que o juiz fizer a sentença de pronúncia, se ele vai ou não à júri popular. A gente tem uma vítima que está tetraplégica e por isso não pode viajar para o julgamento do réu em Amargosa. Além disso, tem o fato de Cícero ter oferecido dinheiro para comprar o silêncio de Sara. Se ele é capaz de tentar calar a boca da mãe da vítima, o que ele não poderá fazer para comprar, persuadir e até ameaçar 25 jurados selecionados na cidade?”, declarou Guimarães.

A reportagem procurou o Tribunal de Justiça da Bahia para saber se já está marcada a data da nova reconstituição. Em nota, o TJ-BA  disse que “foi determinada a intimação pessoal da Diretora Geral do Departamento de Polícia Técnica de Salvador, para que realize a reprodução simulada dos fatos no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco dias),  sendo tal determinação reforçada na data de hoje (01/06)”.

Concluídos os procedimentos e não havendo novas diligências, o TJ-BA  informou que “caberá às partes a apresentação das alegações finais e, em seguida, será proferida decisão pronunciando ou não o acusado, que, se pronunciado, será levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, uma vez que se trata de crime doloso contra a vida”.

O Departamento de Polícia Técnica (DPT) disse que na “nova perícia serão respondidas outras questões que foram apresentadas após a realização da primeira reprodução”. “A reprodução simulada tem por objetivo dirimir dúvidas ou divergências levantadas durante o curso das investigações, sendo possível, portanto, verificar se as condutas descritas pelos envolvidos são factíveis”, diz nota.

A defesa do empresário Cícero Guimarães é realizada pelo escritório Tinoco & Pizanni, advocacia e consultoria. O CORREIO tentou contato pelos números que constam no site do escritório e também enviou email, mas até o momento não teve resposta.

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